“Apoio ao golpe militar de 64 foi um erro”. Foi com este título que o jornal O Globo trouxe no último domingo sua mea culpa em relação à postura editorial durante um dos períodos mais melancólicos e sofridos da história do Brasil. Este reconhecimento histórico feito pela direção deste que é um dos jornais impressos mais influentes do país marcou o lançamento do site Memória de O Globo, que recorda 88 anos de trajetória do jornal. A autoanálise valeu até um editorial no Jornal Nacional, da TV Globo, narrado por William Bonner…
Bem, poderíamos falar aqui sobre o que está por trás desta autoanálise tardia, mas vamos para o que é o foco deste blog…
…Câncer, como uma das doenças que é uma das três principais causas de morte em todo o mundo, também foi um assunto recorrente nos 88 anos de O Globo e, por sua vez, não ficou de fora da edição do último domingo, 1 de setembro. Em reportagem que trouxe o título “O desafio do câncer no século XXI”, foram relatados momentos nos quais não só os esperançosos pesquisadores, mas principalmente, jornalistas ávidos por dar notícias extraordinárias, anunciam o quanto a cura do câncer – década a década – se mostrava cada vez mais próxima…na teoria.
A primeira matéria de O Globo sobre o tema foi publicada na edição de 1º de março de 1929. Noticiou-se que cientistas russos tentavam “livrar a Humanidade” do câncer por meio de transfusão de sangue de crianças que seriam imunes à doença. Quatro anos depois veio a notícia em O Globo de que o câncer seria um doença transmissível, ou seja, uma doença contagiosa. Sim, em 1933 ainda acreditava-se nesta hipótese.
Foram necessários sete anos para O Globo trazer aspas do médico Mário Kroeff, afirmando que o câncer não era uma doença transmissível. Além disso, a matéria trouxe uma valiosa contribuição ao relatar – por meio do mesmo especialista – que era fundamental para o êxito do tratamento iniciá-lo no início da evolução da doença. Sim, era o diagnóstico precoce em pauta já em 17 de janeiro de 1940.
Um dado epidemiológico foi noticiado pela publicação carioca pela primeira vez em 11 de agosto de 1949. Por meio de uma nota, O Globo informava que o câncer havia matado 425 mil pessoas na Grã-Bretanha entre 1940 e 1945, mais que as baixas civis no país naqueles seis anos de Segunda Guerra Mundial. O problema estava, portanto, mais do que posto para a sociedade, mas nada que impedisse a doença de manter-se como um tabu.
O câncer como um tabu (qualquer assunto ou comportamento inaceitável ou proibido de uma determinada sociedade) voltou a ser tema de uma reportagem realmente relevante de O Globo apenas em 14 de janeiro de 1969, quando deu-se a notícia de que um grupo de cientistas, em conferência em Nova Iorque, relatou uma possível relação direta do câncer com a depressão. No mesmo ano, em 5 de dezembro, cientistas americanos associavam o câncer a infecções virais (o que de fato mostrou-se uma grande avanço, visto a estreita relação do HPV com câncer de colo do útero, tumores de cabeça e pescoço e de pênis).
Além destes fatos acima, todos relatados na reportagem do último domingo, O Globo recorda texto de 24 de julho de 1983, no qual um especialista do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos estimava a cura do câncer para até o fim do século XX. Não preciso nem dizer o quanto o conteúdo como um todo da reportagem foi, no mínimo, festivo!
E o que a reportagem de 1 de setembro trouxe sobre o momento atual da ciência em relação ao câncer? Foi escrito um texto tecnicamente correto, principalmente por ter partido da evidência de que o câncer não é um doença única, com múltiplas faces e, desta forma, deve ser combatida de diferentes formas. O caminho para isso é a oncologia personalizada que, para se tornar uma realidade para uma grande gama de tumores (quem sabe um dia, todos), precisa que muitas questões ainda sejam respondidas.
Em tempo:
A mea culpa de O Globo – http://oglobo.globo.com/pais/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604
O editorial do Jornal Nacional – http://g1.globo.com/jornal-nacional/videos/t/edicoes/v/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-reconhecem-as-organizacoes-globo/2798447/