Uma decisão de Angelina Jolie, quatro meses atrás, iniciou grande discussão em diversas esferas da sociedade. Dentre elas a mídia, que maximizou o tema perante o público, trazendo uma cobertura que merece ter suas ressalvas destacadas. Algo que buscarei fazer neste texto.
Com o artigo publicado em 14 de maio no New York Times – “My Medical Choice” -, Jolie compartilhou com o mundo a notícia de que ela estava incluída no grupo de pacientes que possuem a mutação no gene BRCA1, que resulta em um risco bastante aumentado de desenvolver câncer de mama ou de ovário ao longo da vida em comparação às mulheres não portadoras desta alteração genética. No caso de Jolie, os oncologistas e oncogeneticistas responsáveis por seu acompanhamento (aconselhamento genético) destacaram que ela tinha por volta de 87% de risco de desenvolver câncer de mama e 50% de risco para câncer de ovário.
Ao se defrontar com um panorama como este, é fundamental a paciente estar munida de informações seguras e transmitidas com bastante clareza por seus médicos, para que possa – de acordo com sua visão particular do mundo – decidir, por exemplo, entre retirar preventivamente as mamas (mastectomia profilática bilateral) e os ovários (ooforectomia ou ovariectomia profilática) ou, ao contrário disso, seguir sem cirurgia preventiva e sim se prevenindo por outros instrumentos, como exames de imagem (mamografia e outros) e, é claro, com o acompanhamento permanente de uma equipe de oncogenética. Vale ressaltar que Angelina Jolie se encaixa em um grupo de pacientes de caráter hereditário (sua mãe também era portadora de mutação no gene BRCA1 e morreu pela doença), que representa menos de 10% dos casos de câncer de mama. “Em mais de 90% dos casos não há um componente hereditário e o maior risco para a doença é ser mulher e envelhecer todos os dias”, afirma a diretora de Mastologia do A.C.Camargo Cancer Center, Maria do Socorro Maciel.

No dia seguinte ao artigo assinado por Angelina Jolie, a Folha de S.Paulo trouxe a reportagem “Cirurgia de Jolie causa polêmica”, assinada por Cláudia Collucci e Débora Mismetti (com colaboração de Mariana Versolato e Johanna Nublat), trazendo em seu primeiro parágrafo uma importante constatação: a mastectomia profilática representa só uma entre outras opções para mulheres que descobrem ter alterações genéticas que predispõem à doença. Não é, portanto, uma regra e sim uma opção a ser considerada.
O texto da Folha prossegue “(…) a retirada preventiva não é a única forma de lidar com o risco. Mulheres com essas alterações genéticas podem fazer um rastreamento mais frequente, intercalando a cada seis meses exames de mamografia e ressonância magnética, e em uma idade mais precoce (..) Também é possível optar pela quimioterapia preventiva (…). “Cada caso é um caso”, resumiu Maria Isabel Achatz, diretora de Oncogenética do A.C.Camargo, especialista consultada pelas repórteres. Achatz complementou: “para as mulheres com a mutação genética, retirar os ovários e as trompas é ainda mais prioritário do que a das mamas”.
Por que é até mais urgente retirar os ovários do que as mamas. A matéria também explicou isso: (…) não há exames preventivos eficazes para diagnosticar precocemente tumores nessa região. “Em geral, os tumores de ovário são descobertos em estágios avançados e o desfecho é ruim”, diz ela (Achatz) (…). A especialista se refere ao fato de haver métodos eficazes de rastreamento para diagnosticar câncer de mama precocemente, algo que não ocorre com os tumores ovarianos.
Se a reportagem da Folha não cometeu equívocos, qual é a razão então do título deste post? A Folha conta com uma redação composta por um grupo seleto de jornalistas que escrevem, diariamente (e, em alguns casos, até mesmo exclusivamente) sobre saúde e ciência. Logo, o risco de haver bobagens (como, por exemplo, dados sem evidência científica) é sensivelmente reduzido. Felizmente, a Folha não é o único exemplo. Há dezenas de veículos de comunicação altamente competentes e com jornalistas ultraespecializados, que sabem, como poucos, checar as informações nas fontes corretas para produzir um texto verossímil.
O problema está, na verdade, em redações, cujos jornalistas não estão habituados a escrever sobre saúde, incluindo câncer, e ao surgir na agenda jornalística mundial uma história como a da Angelina Jolie, ele se vê diante de termos que, para ele, soam – no mínimo – estranho: gene BRCA, mastectomia, sequenciamento, síndrome hereditária, dentre outros. Para escrever com correção, este jornalista necessitaria de tempo para apurar questões básicas, conhecimento para colher as informações de fontes que são verdadeiramente especializadas no tema (não oportunistas que nunca produziram pesquisa ou tiveram um paciente com o perfil de Angelina Jolie em toda a carreira médica) e, desta forma, dar o peso certo para a questão ao transmiti-la ao seu público. O que ocorre, na verdade, é que o jornalista não especializado, mesmo querendo apurar corretamente, recebe pressão do editor que quer a matéria pronta imediatamente (para não “dar” depois de todo o mundo) e surgem grandes derrapadas.
Quais seriam as derrapadas neste caso: não especificar que a retirada preventiva das mamas não é uma regra e sim uma opção a ser discutida com o médico; “esquecer” de dizer que a pessoa que tem a mutação hereditária não tem câncer e sim um risco aumentado de vir a ter doença; não detalhar que existem outras opções como rastreamento e quimioterapia preventiva, dentre outros. Além disso, é muito válido explicar quais são os critérios que tornam uma paciente elegível à realização de um teste genético; que o teste genético é de alto custo (porém, de extrema importância); que é fundamental o SUS e os planos privados cobrirem o custo destes testes; dentre outras questões.

Com tudo isso, o risco de uma informação equivocada ser transmitida torna-se mínimo. E, na minha avaliação, não receber informação é melhor do que receber uma informação errada, pois o público parte do pressuposto de que o que ele lê, ouve ou assiste é verdadeiro e, desta forma, gera uma reação. Reação esta que pode ser, por exemplo, uma busca – sem precedentes – de mulheres desejosas por retirar as mamas para não vir a ter câncer. Um exemplo de cancerofobia, não o medo de não ir ao médico (o famoso chavão, “quem procura”., acha!), e sim o medo de “se eu não retirar meus seios vou ter câncer e morrerei”.
E isso, segundo especialistas, está acontecendo. Reportagem publicada da Folha de S.Paulo esta semana (sexta, 27), destaca que cirurgiões plásticos têm registrado um aumento do número de mulheres saudáveis querendo retirar as mamas como prevenção do câncer. Para eles, a motivação tem nome: “efeito Angelina Jolie”. Este aliás – Angelina Effect – foi o título da capa de 16 de maio da revista Time. Não há números sobre esse aumento da demanda, mas a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica afirma que seus afiliados têm relatado o dobro da procura que tinham antes da revelação de Jolie.
“É uma coisa assustadora, mas compreensível. A maioria dos casos não tem indicação cirúrgica. São aquelas mulheres que ouviram o galo cantar e querem cantar junto. Há muita desinformação”, disse à Folha o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), José Horácio Aboudib. Ainda segundo a matéria “(…) Começaram a aparecer muitos casos sem pertinência nenhuma para a cirurgia, como de mulheres cujas avós tiveram câncer aos 70, 80 anos”, afirmou o cirurgião plástico Alexandre Munhoz, coordenador da câmara de reconstrução mamária da SBCP.
O BRCA1 é um gene que regula o ciclo celular e previne a proliferação descontrolada das células. O risco de desenvolvimento de câncer de mama para quem tem essa alteração varia entre 50% e 85%. De acordo com Renato Cagnacci Neto, titular do Núcleo de Mastologia do A.C.Camargo, a mulher deve levar em consideração, além da probabilidade do desenvolvimento da doença, quais são riscos da cirurgia e o que a retirada das mamas pode significar para elas, uma vez que não se trata de cirurgia estética. “Para mulheres jovens, por exemplo, um dos riscos é não poder amamentar os filhos que pretendem ter”, alerta.
Se a paciente optar por não operar, o rastreamento por meio de exames de imagem, como mamografia e ultrassonografia, deverá ser realizado conforme avaliação médica, não só para diagnosticar precocemente a doença, mas também possibilitar melhores condições de tratamento, por exemplo, preservando a mama. Ainda não existe uma determinação quanto ao padrão da cirurgia: retirar as mamas completamente incluindo os mamilos, ou se eles devem ser preservados assim como algum tecido mamário. “O mamilo possui muitos ductos mamários, locais onde a maioria dos tumores aparece. Uma vez preservado, restam ainda 10% de tecido mamário, que permitiria o desenvolvimento do tumor. Dessa maneira, mesmo retirando as mamas, a paciente ainda deve seguir com o rastreamento”, explica Renato.
O teste genético, já realizado no país, é geralmente indicado para pacientes com um padrão significativo de câncer na família, principalmente, câncer de mama, ovário, cólon, sarcomas, bem como uma variedade de cânceres raros. “Se a pessoa descobrir que possui essa mutação, ela pode começar a fazer exames mais cedo e encontrar tumores que poderão ser tratados sem a necessidade de quimioterapia”, explica Maria Isabel Achatz. Os cientistas identificam os genes alterados, ou mutados, e por meio do aconselhamento genético orientam o paciente sobre os riscos, as implicações para si e outros membros da família.
E, isso tudo só está sendo dito, pelo fato de Angelina Jolie ter chamado a atenção de todo o mundo para este tema. Escrever sobre isso foi sua melhor escolha.
O texto de Angelina Jolie publicado no New York Times: www.nytimes.com/2013/05/14/opinion/my-medical-choice.html
Boa semana!