Bares, restaurantes e cafés de Belo Horizonte, Campinas, Dourados, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, São Carlos e São Paulo receberão entre os dias 23 e 25 de maio o Pint of Science 2016, um festival de divulgação científica que mobilizará mais de 100 cidades em 12 países. Durante cada uma das noites, pesquisadores e especialistas de diversas áreas da ciência falarão um pouco de seus trabalhos e a relevância deles para a sociedade. Os assuntos são os mais variados, que passam por áreas como medicina, biologia, astronomia, paleontologia e, é claro, oncologia.
O Pint of Science teve seu pontapé inicial em 2012, quando dois pesquisadores da Imperial College London, no Reino Unidos, chamados Michael Motskin e Praveen Paul, promoveram o Encontro com Pesquisadores. Na ocasião, pessoas que sofrem de Alzheimer, Parkinson, doenças neuromusculares e de esclerose múltipla puderam visitar os laboratórios de cientistas que desenvolvem tratamentos e pesquisas sobre estas doenças. O encontro foi exitoso e inspirou os dois cientistas a promover um evento mais amplo, em que os próprios pesquisadores poderiam sair de seus ambientes acadêmicos para falar sobre ciência de forma mais acessível.
No Brasil, a coordenação geral é da bióloga Natália Pasternak, pós-doutora na área de Bacteriologia Molecular no ICB-USP e uma das autoras do blog de divulgação científica Café na Bancada. Em entrevista exclusiva para o jornalismOncologia, Natália fala sobre os desafios de organizar a edição brasileira do evento, opina sobre temas atuais envolvendo as políticas para a ciência no país e comenta os destaques da programação do Pint of Science, sobretudo os relacionados com o câncer.
jornalismOncologia – Quando e como você entrou em contato com Pint of Science e como foi essa experiência? Foi imediato o desejo de trazer o evento para o Basil?
Natália Pasternak – O primeiro contato com a central do Pint em Londres foi feita por colegas do ICMC-USP, de São Carlos. Foram eles que trouxeram o festival para o Brasil em 2015, sendo que o evento ocorreu em dois bares lá de São Carlos mesmo, para testar o conceito. Eu assumi a coordenação geral do Brasil em novembro do ano passado, quando juntamos as sete cidades que participam este ano.
jornalismOncologia – Quais foram os principais desafios de realizar a primeira edição, em São Carlos?
Natália – Foram muitos, pois tratava-se de um conceito novo. O evento nasceu no mundo apenas em 2013, portanto, é bem recente. Três anos depois já somos 12 países. O grande desafio está em convencer as pessoas a investir em uma novidade. Os palestrantes ficam com a missão de falar em uma linguagem informal e em um ambiente em que não estão acostumados. E os bares, por sua vez, precisaram apostar que teriam público, já que é o único retorno financeiro que eles têm. Conseguir patrocínio também é complicado em se tratando de evento novo.
jornalismOncologia – Agora, pela primeira vez, o evento ocorre em diferentes cidades brasileiras e com uma ampla programação e apoio voluntário de dezenas de pesquisadores. É uma demonstração do quanto a comunidade científica quer ser ouvida e entendida pela sociedade?
Natália – Com certeza. Tivemos grande aceitação e colaboração de docentes e pesquisadores. Com a exposição na mídia, todas as cidades foram procuradas por mais professores e cientistas querendo participar. A demanda existe, dos dois lados. O cientista quer falar e a sociedade quer entender a ciência. Só faltava o canal. O cientista está finalmente percebendo que tem uma responsabilidade com a difusão do conhecimento e precisa dar um retorno à sociedade.
JornalismOncologia – Como você avalia o atual cenário da ciência no Brasil em meio a episódios com apelo pela aprovação de um composto na condição de medicamento que nunca foi testado em humanos (fosfoetanolamina); governador de São Paulo criticando a gestão da Fapesp e o governo federal destituindo o Ministério da Ciência e Tecnologia e incorporando-o a Comunicações?
Natália – É o retrato de um país que não entende e não valoriza a ciência e a tecnologia. Como disse Carl Sagan, “vivemos em uma sociedade altamente dependente de ciência e tecnologia, onde quase ninguém entende nada sobre ciência e tecnologia. Isso é receita para o desastre”. O caso da fosfoetanolamina retrata esse sentimento com exatidão. O público em geral não entende como a ciência funciona, porque nunca ninguém lhes explicou. E o cientista não tem credibilidade com esse público porque não está acostumado a falar com ele. Na minha geração, chamamos isso de “crise tostines”. O cientista não comunica porque ninguém acredita nele ou ninguém acredita nele porque ele não comunica? Esse canal, essa credibilidade com o público precisa ser construída. Não estou falando de autoridade, mas de credibilidade. O público precisa saber a quem recorrer como fonte confiável de informação sobretudo nessa época em que o acesso à desinformação impera. A comunidade médica e científica demorou muito para se posicionar no caso da fosfo, mas felizmente acordou. Quando houve a crítica do governador à Fapesp, ele encontrou uma comunidade diferente. Parece-me que o choque de ver a Anvisa suprimida pela política, e a percepção de que a população precisava do nosso amparo fez bem para os cientistas, normalmente mais acomodados. A reação à crítica sobre a Fapesp foi muito mais imediata e intensa, e a classe se preocupou em mostrar os avanços feitos pela rede zika-Fapesp, controlando uma epidemia e desvendando os mecanismos da microcefalia. Fica difícil criticar a Fapesp, que financiou a rede zika, quando nossos pesquisadores publicam na nature os resultados sobre mcirocefalia, e desenvolvem testes diagnósticos. A reação ao “rebaixamento” do MCTI também foi imediata e marcante. Acho que enxugar ministérios era necessário. Resta saber como será essa re-organização e os impactos que isso terá no investimento em ciência e tecnologia. Em época de crise, esse investimento deveria ser expressivo, e não cortado. Sofremos um absurdo corte de bolsas para pós-graduação no governo anterior, mas sem pós-graduandos não existe produção científica. E só teremos o apoio da população para cobrar essa postura quando a população entender como o conhecimento é gerado e como isso impacta no nosso cotidiano e qualidade de vida.
jornalismOncologia – Voltando ao Pint of Science, quais temas você destaca da programação de cada uma das sete setes cidades?
Natália – É uma pergunta muito difícil, pois gosto de todos. A cidade de São Carlos conta com uma mesa redonda coordenada pelo Reinaldo José Lopes, sobre ciência com cor e sabor que certamente será fantástica e eu adoraria ver a palestra de nanotecnologia em Belo Horizonte e participar da atividade de astrobiologia e astronomia no observatório de Campinas. Se eu pudesse ir a Dourados, pela minha formação pessoal, não perderia por nada a palestra de microbioma humano. Em Ribeirão Preto eu gostaria de assistir à palestra sobre exercício e inflamação e não perderia também a mesa de conexão cerebral comandada pelo Stevens Rehen no Rio de Janeiro. Veja que eu falei das minhas preferências pessoais, porque realmente todos são fantásticos. É uma angústia não poder assistir a tudo. Mas, como eu sou de São Paulo, o coordenador daqui me colocou para trabalhar e eu estarei todos os dias no Tartar and Co. Dei sorte, porque vou poder assistir o Jean Pierre Peron falando do seu trabalho recém publicado na Nature com zika virus, e grandes nomes da pesquisa do nosso país como Alicia Kowatowlski, Walter Colli, Suzana Pasternak, e a honra de dividir a quarta-feira com o Gilberto Lopes.
jornalismOncologia – A oncologia estará presente em palestras dos doutores Gilberto Lopes (que falará sobre pesquisas em câncer: milagres, esperanças e realidade) e Vagner Ricardo (o que de fato sabemos sobre o que pode causar câncer), ambas em São Paulo e com a doutora Rita Tostes (genética do câncer, bioinformática e outros petiscos), em Ribeirão Preto. Qual é a sua expectativa com relação a essas apresentações?
Natália – Espero que ajudem a desmistificar o câncer, que acredito ser a doença menos compreendida pela população leiga, até pela sua complexidade e dificuldade de ser classificada como uma doença única e padronizada. O câncer traz à tona não apenas muitas dúvidas, mas muita angústia, muito medo, e muitas expectativas. Esses palestrantes são extremamente qualificados e comunicadores hábeis, e espero que eles consigam comunicar ao público quais são os tratamentos mais eficazes comprovados pela ciência e mostrar que não existe milagre, mas tampouco o câncer é hoje uma sentença de morte. É preciso desmistificar os tratamentos, derrubar o mito de que quimioterapia só faz mal, e mostrar quantos novos medicamentos promissores estão sendo lançados no mercado, como resultado de anos de pesquisa séria e científica. Precisamos mostrar que a ciência oferece esperança sim. Oferece tratamento e muitas vezes cura. Precisamos mostrar que a ciência funciona, e saber explicar por que ela funciona.
Confira mais sobre o Pint of Science nesse vídeo: