Combate ao câncer: o que há para celebrar?

imunoterapiaImunoterapia, cirurgia robótica, biópsia líquida, terapias-alvo, terapia genética e tantos outros temas recentes têm mostrado um novo cenário da Oncologia, que é da personalização do tratamento (a terapia certa, para o paciente certo). Ao ler essas notícias, é comum que se passe a impressão de que o caminho para a cura do câncer para todos é uma realidade muito próxima. Mas não é ainda, não para uma boa parcela dos pacientes.

Nesse domingo, dia 4, é celebrado o World Cancer Day, mas há motivos para celebração nesse Dia Mundial de Combate ao Câncer? Sim, mas com moderação. Se por um lado tem havido de fato um avanço sem precedentes nessa década, por outro lado esse contexto inovador é uma realidade para poucos (por limitações financeiras e também por não indicação clínica). Além disso, vive-se a realidade da falta de acesso aos serviços de saúde para as maiores camadas da população.

Foram necessários dez anos de um imenso esforço global para se publicar o primeiro Genoma Humano do Câncer. Menos de duas décadas depois, se faz hoje em poucas horas – por meio de sequenciamento de nova geração (NGS, na sigla em inglês), a leitura completa de grandes painéis de genes. Essa decodificação genética está permitindo a identificação das principais alterações celulares que levam ao desenvolvimento dos diferentes tipos de câncer e, mais do que isso, abrindo caminhos para o advento de drogas especialmente desenhadas seja para inibir mutações específicas (terapias-alvo) ou para reativar o sistema imunológico para que ele volte a enxergar as células do câncer para, desta forma, poder combatê-las (imunoterapia).

A grande questão é que essas drogas inteligentes não são indicadas para todos. Ainda são poucas as terapias-alvo e imunoterapias aprovadas no combate ao câncer. Um exemplo é o câncer de pulmão. O paciente que é diagnosticado com a doença terá o seu tratamento determinado por aquilo que for analisado pelo patologista. Isso porque não basta saber que o paciente tem câncer de pulmão. É fundamental saber qual é o subtipo, o que inclui saber o seu perfil celular e quais são os genes que estão mutados.

Um paciente com câncer de pulmão com mutação em EGFR, por exemplo, é candidato ao tratamento com drogas como erlotinib (inibidor de EGFR). Se a mutação for no gene ALK, o crizotinib surge como uma das opções. Além disso, tem havido cada vez mais evidências da eficácia da combinação entre terapias-alvo. E a grande vantagem dessas drogas é que elas têm o potencial de serem menos tóxicas, isso porque agem em mutações específicas (no alvo), e não nas células como um todo (incluindo as saudáveis), como ocorre com as quimioterapias convencionais.

Vamos celebrar então? Em parte. O câncer é uma doença multifacetada e, desta forma, há uma imensa gama de genes que poderão ser, no futuro, indicadores de diagnóstico e preditores de resposta ao tratamento (a presença de determinada mutação no material genético do paciente pode indicar o potencial do paciente de se beneficiar de determinada terapia). Para tanto, é necessário muito investimento em pesquisa básica e em ensaios clínicos. A boa notícia é que a indústria farmacêutica tem amplo interesse nisso. A má notícia é que essas futuras drogas, assim como as atuais, serão lançadas no mercado a um custo altíssimo. Além disso, há sempre o desafio de se acelerar a incorporação por parte dos planos de saúde privados (entrar no Rol da ANS) e do Sistema Único de Saúde (SUS). Outro ponto é a mescla entre falta de vontade politica e a real necessidade de saber como investir para todos os pacientes elegíveis (alguém precisa pagar essa alta conta).

EXISTE UM ATALHO PARA A CURA DO CÂNCER? – Uma forma de se responder essa pergunta é por meio da respostas para outra pergunta: existe cura para o câncer? E a resposta é sim, existe. Como assim? Quando a doença é descoberta cedo e o tratamento é feito com o que há de melhor na Medicina, o índice de cura pode chegar aos 90%. O problema, por sua vez, é que muitos tumores são diagnosticados tardiamente e o paciente nem sempre tem acesso ao que há de mais avançado em Oncologia. E, mesmo quando têm esse acesso, muitos tumores avançados não se enquadram nas terapias atuais que têm o potencial de aumentar a sobrevida do paciente.

O atalho para a cura do câncer, portanto, está na conscientização da população sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce da doença e na elaboração e concretização de políticas eficazes de acesso populacional aos programas de rastreamento aos exames, como a mamografia, papanicolau e colonoscopia). Por sua vez, os números mostram que no Brasil essas políticas de acessibilidade ao exames de rastreamento engatinham.

Doenças de alta incidência no Brasil, o câncer de intestino e o câncer de colo do útero, simplesmente não deveriam existir. Isso porque os exames de rastreamento desses tumores têm o potencial de evitar o seu surgimento. A colonoscopia, que é indicada a partir dos 50 anos (ou 40 anos, quando há história familiar da doença), é um exame que permite retirar pólipos no intestino antes que eles resultem em câncer nesse órgão. No caso do câncer de colo do útero, a avaliação ginecológica, junto com a vacinação contra o vírus HPV, também tem o potencial de, praticamente, erradicar a doença. No entanto, esses dois tipos de câncer, como já disse acima, estão entre os mais comuns no país.

Outro exemplo de exame de rastreamento é a mamografia. No entanto, ele não tem o potencial de ajudar a evitar que a doença ocorra e sim de descobrir o tumor ainda no início de seu desenvolvimento, inclusive quando ele ainda não é palpável. Embora tenha havido avanços, o acesso ao exame ainda é limitado, principalmente para a população mais carente financeiramente e mais impactada pelos gargalos das políticas públicas de saúde.

O QUE OS NÚMEROS DIZEM? – Foi divulgada na sexta-feira, dia 2, a pesquisa bianual do Instituto Nacional de Câncer (INCA), que traz as estimativas de novos casos de câncer no país. Assim como no estudo anterior (que trouxe o total de casos esperados para 2016/2017), o novo estudo aponta que são esperados 600 mil novos casos/ano em 2018 e 2019, sendo que o câncer de pele (não-melanoma), ainda é o mais comum.

Tirando o câncer de pele, os mais comuns no homem e na mulher seguem sendo, respectivamente, os tumores de próstata (68 mil casos novos – eram 61 mil no estudo anterior) e mama (59 mil – eram 54 mil no estudo anterior). A lista dos mais incidentes segue com câncer colorretal (36 mil), pulmão (31 mil), estômago (21 mil), colo do útero (16 mil), cavidade oral (14 mil), sistema nervoso central (11 mil), leucemias (10,8 mil) e esôfago (10,9 mil).

A grande questão é que a maioria desses tumores pode ser prevenida com mudanças na forma como cada um de nós interage com o meio-ambiente ou acesso à serviços de saúde. Para os tumores de mama, embora seja sabido que eles surjam de uma forma multifatorial, é crescente o conhecimento de sua associação com obesidade (portanto, uma dieta equilibrada e o combate ao sedentarismo são fundamentais para prevenir esta doença).

O tabagismo é o maior vilão quando o assunto é câncer de pulmão. Oito entre dez pacientes diagnosticados com a doença é ou foi tabagista. Políticas de restrição ao cigarro e outras formas de consumo de tabaco têm refletido em um menor número de fumantes, porém a indústria tabagista segue o seu incansável trabalho de convencimento do público para conquista de novos cliente. E os alvos atuais (que historicamente já foram os médicos, homens aventureiros e mulheres contra a repressão masculina), são os jovens.

O câncer colorretal é mais incidente em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, onde, principalmente nas áreas urbanas, há um uma maior prevalência de pessoas que adotam uma dieta que privilegia os alimentos industrializados, incluindo os embutidos, sabidamente associados com o desenvolvimento da doença.

E o papel da mídia nesse processo é o de difundir informação qualificada sobre prevenção e diagnóstico precoce, contrapor as fakes news (que se disseminam principalmente nas mídias sociais e pelos aplicativos de mensagens instantâneas) e promovendo debates com os diferentes segmentos da sociedade e que, desta forma, pressione a agenda política para adoção de medidas que, de fato, façam a diferença no combate ao câncer e assim tenhamos mais motivos para celebrar os próximos dias 4 de fevereiro.

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