O assunto de maior repercussão essa semana foi um estudo multicêntrico publicado na quinta, 18, na revista cientifica Science. Nessa pesquisa, liderada por pesquisadores do Johns Hopkins Kimmel Cancer Center, foram analisadas as amostras de sangue de 200 pessoas com estágios iniciais de câncer, diagnosticados em centros dos Estados Unidos, Dinamarca e Holanda. A metodologia adotada foi a de biópsia líquida, uma técnica minimamente invasiva (não necessita de cortes) de diagnóstico e de monitoramento do tratamento.
Por aqui, a repercussão maior se deu com reportagem exibida na sexta, 19, no Jornal Nacional, da TV Globo. Na matéria, assinada pelo correspondente em Nova Iorque, Tiago Eltz, se destaca que ocorrem, em diferentes países, vários estudos simultâneos com o conceito de biópsia líquida. E que esse estudo, desdobramento de outra pesquisa – veiculada em agosto de 2017 (https://glo.bo/2we8uMo) – mostra a eficácia desse exame em diagnosticar oito tipos de tumores. Conforme falarei mais abaixo, a biópsia líquida já possibilita monitorar o tratamento com drogas-alvos, detectar resistência à terapia e e com potencial também para antecipar metástase (doença se disseminar para outros órgãos) e recidiva (volta da doença).
No trabalho trazido na Science, ao se coletar as amostras de sangue dos participantes, foi investigada, com técnicas de sequenciamento genético, a possível correlação com um dos 58 genes mais frequentemente alterados nos tipos mais incidentes de câncer. Isso se torna possível porque as células do tumor se desenvolvem, reproduzem e morrem, sendo que, ao longo desse processo, alguns fragmentos do DNA dessas células se desprendem e caem na corrente sanguínea, levando com eles uma gama de informações, dentre elas as mutações ali presentes. Ao se sequenciar o DNA dessas células, são identificadas as mutações, muitas vezes de uma doença que ainda não manifesta sintomas e que não seriam detectáveis por outros métodos de diagnóstico.
A sensibilidade (capacidade de diagnosticar a doença), foi de 70% em média, sendo que no câncer de ovário, por exemplo, foi de 98%. O câncer de ovário, aliás, ao contrário de outro tumor ginecológico bastante frequente, que é o de colo do útero (que pode ser prevenido com vacina contra HPV e exame de Papanicolau), não conta com um método de prevenção ou de diagnóstico precoce e, nesse sentido, a biópsia líquida poderá ser uma revolução no controle dessa doença, que tem altas taxas de mortalidade. A biópsia líquida, nesse estudo, também se mostrou eficaz para detecção de outros tumores para os quais não há estratégias de rastreamento populacional, como fígado, estômago, pâncreas e esôfago. Os demais tumores contemplados na pesquisa foram mama, pulmão e colorretal.
A eficácia da biópsia líquida para o diagnóstico desses oito tumores:
O trabalho publicado na Science é um estudo clínico de fase I e que já caminha para a fase II, na qual serão agora acompanhadas cerca de 10 mil pessoas, durante cinco anos. Dependendo dos resultados, esta metodologia de biópsia líquida poderá entrar na rotina clínica. Vale destacar também que essa técnica – conforme esses trabalhos demonstram, possibilita fazer o diagnóstico precoce da doença – já vem sendo utilizada na monitoração do tratamento.
Disponível em centros de excelência em Oncologia, a técnica permite monitorar a resposta de pacientes que estejam inseridos em protocolos de terapias-alvo. Em linhas gerais, são indivíduos que estão sendo tratados com drogas que foram desenhadas de acordo com o perfil molecular do tumor. Por exemplo, quando um paciente é diagnosticado com câncer colorretal (intestino grosso e reto), é investigado o perfil desse tumor. Caso o tumor apresente alterações em códons (posições) específicas dos genes KRAS, NRAS e BRFA, significa que ele será responsivo ao tratamento com cetuximab e panitumamab, por exemplo.
Em outros casos, a ocorrência de determinadas mutações identificadas por biópsia líquida, são um indicativo de resistência ao tratamento. Nesses casos, o paciente é poupado de receber uma droga que se mostraria inócua. Um exemplo pode ser encontrado em câncer de pulmão. Havendo mutação no gene EGFR (bastante frequente nessa doença) é buscada outra alteração, nesse caso em T790M. Caso o paciente tenha a mutação EGFR/T790M, esse paciente não responderá ao tratamento, isso porque essa é uma mutação de resistência à terapia. Não havendo a mutação, o paciente pode receber o tratamento com inibidores de tirosina quinase como gefinitib ou erlotinib, que são drogas de primeira geração. O teste também é aplicado em outros casos de câncer de pulmão, como os com mutação nos genes KRAS, NRAS e BRAF. A técnica também previne e antecipar a ocorrência de metástase, abrindo caminho para que a terapia seja interrompida a tempo de nova droga (de segunda linha) também se mostrar eficaz.
Voltando ao estudo publicado na última semana na Science, o mérito está em mostrar o quanto a biópsia líquida está próxima de auxiliar no diagnóstico da doença antes mesmo que ela ocorra. Essa qualidade terá o potencial de reduzir a mortalidade por câncer em todo o mundo, trazendo ainda mais robustez a esta técnica, que veio para ficar.
Veja mais
Artigo original na Science: http://science.sciencemag.org/content/early/2018/01/17/science.aar3247
Reportagem do Jornal Nacional: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/08/exame-de-sangue-em-estudo-pode-detectar-cancer-em-estagio-inicial.html
Reportagem da CNN: http://edition.cnn.com/2018/01/19/health/cancer-blood-test-study/index.html